Partilhamos a reflexão realizada pela REALV - ML através da qual se evidenciam as preocupações que inquietam todos aqueles que estão envolvidos na Educação e Formação de Adultos.
As notícias veiculadas pela Comunicação
Social sobre a intenção de redirecionar os Centros Novas Oportunidades
transformando-os em Centros Nacionais
para o Ensino Profissional; a afirmação da manutenção de apenas alguns dos
Centros atualmente em funcionamento, tendo como critério a classificação
alcançada em sede de candidatura assim como a intenção do redimensionamento da
Rede levaram os Centros Novas Oportunidades pertencentes à REALV – ML (Rede de
Educação e Aprendizagem ao Longo a Vida – Minho-Lima), em reunião realizada no
dia 15 de Novembro de 2011, a apresentar
um conjunto de preocupações e evidências que colocamos à consideração, tendo
como enquadramento o trabalho desenvolvido em prol da Educação e Formação de
Adultos no âmbito da implementação da Iniciativa Novas Oportunidades.
1.
O Reconhecimento, Validação e Certificação de
Competências representa o exercício de uma nova praxis educativa. As equipas
técnico-pedagógicas, tendo como base o Referencial de Competências-Chave de
nível básico e/ou secundário, põem em prática metodologias potenciadoras de
análise e reflexão, tornando possível que a aprendizagem construída ao longo da
vida, numa multiplicidade de contextos, se revele para o adulto aprendente como
significativa, capaz de ser validada, certificada e reconhecida social e
profissionalmente pela esmagadora maioria das entidades empregadoras à luz de
um Referencial de educação e formação de adultos abrangente. Tomemos como
exemplo o Referencial de nível secundário: as diferentes Áreas de
Competência-Chave explicitam um saber-em-ação que perpassa temas abrangentes e
contextualizados (Ambiente e Sustentabilidade, Equipamentos e Sistemas Técnicos,
Saúde, Gestão e Economia, as Tecnologias da Informação e Comunicação, Direitos
e Deveres, Argumentação e Assertividade…). A construção do Portefólio Reflexivo
de Aprendizagens possibilita a vinculação dos adultos com um Projeto de
formação contínua, decisivo para fazer face às necessidades de integração no
mundo laboral em mudança, onde as competências cognitivas, sociais e éticas
devem ser continuamente exercitadas.
2.
Questionar a qualidade da metodologia, dos
processos, o profissionalismo das equipas técnico-pedagógicas e o esforço no
cumprimento das metas contratualizadas é um exercício de participação e
cidadania, no entanto, deverá ser perspetivado a partir de uma avaliação
externa, fundamentada, e não apenas sustentada no senso-comum. Deverá ser
transversal a todos os níveis de ensino e ofertas educativas-formativas. No que
concerne à Iniciativa Novas Oportunidades, seria possível fazê-lo de forma
isenta, imparcial e internacionalmente válida através da participação no estudo
internacional PIAAC (Programme for the International Assessment of Adult
Competencies), realizado pela OCDE, que se encontra suspenso em Portugal.
3.
O Processo de Reconhecimento, Validação e
Certificação de Competências configura-se como um paradigma de desenvolvimento
capaz de potenciar a singularidade da pessoa aprendente, social e culturalmente
situada, num sujeito emancipado capaz de assumir um papel interventivo e
participativo na vida profissional, social e pessoal uma vez que experiencia o
contexto favorável para o reconhecimento de competências (entendidas enquanto
saberes que internalizados se mobilizam na ação).
4. A
partir do testemunho registado pelos Avaliadores Externos nas sessões públicas
de Júris de Certificação, podemos verificar a qualidade das competências evidenciadas.
Como exemplo registe-se o testemunho do Dr. João Guerreiro: «A colaboração como avaliador externo (…)
está dominada, pela constatação duma atitude de expectativa permanente da
equipa de trabalho à crítica para fazer melhor. (…)a colaboração do
avaliador externo se concretiza a dois níveis e momentos, o da análise dos
portefólios, primeiro, e o do júri de certificação, depois, esta apreciação
centrar-se-á, então, nesses dois aspetos.
a.
A análise dos portefólios – A leitura dos portefólios tem permitido
constatar, desde logo, que há um propósito de apostar no aprofundamento da
valorização das aprendizagens dos adultos. Mais do que o mero reconhecimento
das aprendizagens já consumadas ao longo da vida, essa orientação tem visado o
desafio dos adultos para novas aprendizagens formais que os tornem não só
profissionais mais qualificados mas, sobretudo, cidadãos socialmente mais
intervenientes. Com efeito, se a par das competências reconhecidas ao nível da
“matemática para a vida”, numa perspetiva de sistematização (para além de lá
estarem compaginados o referencial com os contextos de experiências) o valor
acrescentado tem-se efetivado porque a orientação percebida é a de proporcionar
novas ferramentas que agilizem o equacionar dos problemas e facilitem o seu
cálculo. Ou, se a par da melhoria da expressão ortográfica (que permita
evitarmos erros que nos comprometam e possam inferiorizar) o referencial de
“linguagem e comunicação” possa estar minimamente cumprido, o valor
acrescentado é tanto maior quanto esse referencial tem sido posto ao serviço de
uma competência discursiva mais crítica e fundamentada. Ao orientar a
competência discursiva para o âmbito das Histórias de Vida dos adultos (a
reflexão sobre as suas experiências e vivências), essa orientação traduz-se
numa escrita mais crítica pois cada pessoa não quer deixar marcas de algo em
que se não possa rever. Por fim, se é verdade que importa que novos saberes e
técnicas ao nível da utilização das TIC sejam do conhecimento geral, o que
verdadeiramente tem estado em causa é que esse conhecimento se traduza num
património de competências que deixe os adultos mais autónomos. A utilização do
Word, do Excel, do Power-Point ou da Net, por exemplo, ao ser concretizada de forma
transversal ao longo da construção de cada portefólio, preconiza o princípio
desse património.
Estas
orientações estão, de todo, efetivadas nos portefólios. São outras tantas
vertentes desse propósito de abrir perspetivas para novos desafios de aprendizagem
dos adultos. Atestam-no, entre outros, dos (…) portefólios analisados, os
projetos de “aprender inglês e saber mais de informática, aos sessenta anos,
para ajudar nos trabalhos escolares dos netos”, de “ter um CAP para poder ter a
responsabilidade por obras de construção civil de maior vulto” depois de vinte
e cinco anos de experiência no ramo, de “aprofundar a tecnologia de construção
de embarcações em fibra de vidro”, de “ter mais formação em higiene e segurança
alimentar” dada a responsabilidade da dieta alimentar nas escolas, de
concretizar “o sonho duma licenciatura em Direito” depois de anos de
experiência e formações ao serviço da Polícia.
b.
A sessão de Júri de Certificação – Cada sessão de Júri pode ser a oportunidade
de demonstração em público da capacidade de autonomia de cada adulto, do seu
pensamento próprio e da fundamentação das suas opiniões. Se em júri não compete
tanto a confirmação de aprendizagens mais formais aprofundadas ao longo do
processo de construção do portefólio (pois disso consistiu já boa parte do
trabalho das equipas de técnicos e formadores), importa mais, isso sim, que a
palavra pertença ao adulto para que aquela demonstração se efetive.
Falar-se-á,
então, de quê? Uma vez que está em causa a melhoria da nossa qualificação, que
aprendamos mais e sempre ao longo da vida, tem sido sugerido, nos Centro, que o
momento do júri sirva para tal.
Tal
já permitiu que tivéssemos ficado a saber como se decapa, enverniza e renova um
móvel usado, ou como se constrói em fibra de vidro, ou se nivela e recompõe um
chão em mosaico sem o destruir, ou concretiza uma gestão da qualidade numa
fábrica de confeções, ou se gere a manutenção dum centro comercial. Permitiu
também discutir, em público, questões da nossa vida coletiva tão controversas
como as da “eutanásia”, da “avaliação do desempenho”, da “violência doméstica”,
da “segurança” (no trabalho, de pessoas e bens, da económica e alimentar,…), da
“crise” (financeira, de valores, de justiça,… ). Discussões que, precisamente
por serem controversas, ao fazerem-nos tomar partido, exigem que sejamos
críticos e fundamentemos, ao invés de nos conduzirmos por agendas que nem
sempre são as nossas. Essas têm sido outras tantas oportunidades de, com toda a
tolerância da equipa, dos adultos e do próprio público, se demonstrar a
maturidade cívica de todos. Pela vivacidade desses momentos de júri, apetece
dizer “que aprendemos com cada um e todos uns com os outros”(…)”.
5.
Seria escamotear a realidade se não tivéssemos
em conta os impactos que a Iniciativa Novas Oportunidades tem proporcionado
enquanto programa de ação que mudou radicalmente o campo da Educação e Formação
de Adultos em Portugal. Atente-se no equilíbrio instaurado ao possibilitar
colmatar o abandono escolar por razões de natureza económica, social, num
passado marcado por práticas pedagógicas que, em alguns casos, deixaram marcas
profundas na forma como alguns destes adultos se relacionam com a escola e as
aprendizagens escolares. A justiça neste processo permite instaurar pessoas
empenhadas numa cidadania responsável; motivadas para continuar processos de
formação (através da frequência de Formações Modulares Certificadas, Cursos de
Educação e Formação de Adultos ou frequentando o Ensino Superior); detentoras
de competências na área das TIC, das ciências, entre outras.
6. Existe
rigor e transparência nos processos e a constituição de Parcerias e Redes entre
os Centros Novas Oportunidades (muitas vezes, com a presença de entidades
formadoras diversas que atuam num mesmo território) tem permitido a existência
de espaços de promoção de boas práticas, divulgação de resultados, dinamização
de ações conjuntas (realização de Seminários e de Júris de Certificação
conjuntos).
Face ao exposto
urge perguntar
a. Com
base em que critérios será possível realizar a seriação dos Centros Novas
Oportunidades – os indicadores e metas tão criticados anteriormente?
b. Que
princípios permitem fazer a opção por Centros Nacionais para o Ensino
Profissional e em que contexto podemos abranger todo o trabalho fecundo,
capitalizado em prol da Educação de Adultos?
c. Como
respeitar a singularidade da pessoa aprendente, num horizonte aberto à
diversidade cultural sem sucumbir à lógica utilitarista e de mercado?
d. Quais
seriam as consequências para os adultos inscritos nos centros novas
oportunidades e o impacto nos futuros processos de formação?
e.
Quais os resultados da avaliação criteriosa que
o governo anunciou e em cujos resultados se baseariam as decisões sobre o
futuro da Iniciativa Novas Oportunidades?
Permitam-nos concluir com testemunhos de
pessoas que direta ou indiretamente fizeram parte do Processo de Reconhecimento,
Validação e Certificação de Competências:
NÃO SE
PODE DESPERDIÇAR
Testemunho
de uma estudante
cujos pais concluíram o processo RVCC
cujos pais concluíram o processo RVCC
Até há algum tempo atrás, vivi uma experiência inesquecível. Os
meus pais, António Cunha e Irene Cunha, frequentaram ambos o Centro Novas
Oportunidades (…). Foram meses de estudo e de trabalho até os meus pais obterem
a equivalência ao 9.º ano escolaridade através do processo RVCC. Semana após
semana, os meus pais deslocavam-se até esta escola para frequentar as sessões.
Depois, em casa, tinham de fazer pesquisas e elaborar trabalhos escritos. Lá em
casa até demos o nome de “escolinha para os pais”.
Eu, como aluna da mesma escola e filha,
acabei por ajudar muitas vezes os meus pais nos seus trabalhos, quer nas
pesquisas, quer na elaboração dos seus famosos “TPC”.
No fundo a coisa até teve a sua graça.
Acabei por ajudar os meus pais e assim também eu própria aprendi bastante. Os
meus pais sem dúvida que acabaram por ficar mais enriquecidos: aprenderam mais,
obtiveram conhecimentos que nunca imaginaram ter nas suas vidas, e isso é o
mais importante, ficaram com a equivalência ao 9.º ano. E ainda ficaram a saber
o que é a vida de estudante… em adulto, claro.
Aconselho e recomendo a
todos os pais (…) que não tenham a escolaridade obrigatória a frequentar as
Novas Oportunidades. Vão ver que não custa nada! É uma oportunidade que não se
pode desperdiçar. Toda a gente fica a ganhar: os pais, os filhos e a sociedade
em geral.
Patrícia
Cunha, 12.º Ano
REFLECTINDO…
“Através do Centro Novas Oportunidades, tive a oportunidade de
fazer o 9º ano de escolaridade. Não foi fácil, mas consegui, pois deixei de
estudar com apenas 12 anos. Depois de muito trabalho realizado, de muitas horas
debruçado sobre o meu Portefólio e com a ajuda de toda a equipa do RVCC,
consegui concluir o 9º ano. Não foi fácil…mas consegui!
Depois desta etapa, sinto-me uma pessoa mais válida para
enfrentar o meu futuro profissional, embora tenha como objetivo continuar a
minha formação e aprofundar os meus conhecimentos em Informática e concluir o
12º ano. O meu agradecimento a toda a equipa envolvida neste projeto do Centro
Novas Oportunidades, especialmente àqueles que me acompanharam.”
José
Augusto Amorim de Sousa
“Poucas
matérias têm sido tão mal tratadas como a Educação. Na Educação, poucas têm
sido as matérias tão insultadas como a Iniciativa Novas Oportunidades. A
verborreia incauta sobre o programa mencionado muito raramente sai debaixo dos
holofotes dos “fazedores de opinião” da nossa praça. Ao que parece, estamos,
novamente, a viver dias em que o ambiente filistino e alarve da mais baixa
casta se erige em valores sensíveis e que certos sectores procuram apresentar
como inatos e incensuráveis, por isso, talvez faça sentido destacar, uma vez
mais, que o programa Novas Oportunidades, quando não deturpado, íntegro e
indiferente às materialidades, continua a ser um guia de consciencialização e,
acima de tudo, uma das mais democráticas formas de justiça. Justiça para com
todos aqueles que sucumbiram a um modelo manifestamente societário que, no
país, negligenciou e ostracizou, durante anos a fio, o grosso da sua população.
Assim, o programa Novas Oportunidades é uma história de solidariedade. Mas, ao
contrário de tantos exemplos, não é uma solidariedade que plagia em caricatura
o que em outros países se produz com mais prática, mais critério e até com
certa probidade. Esta é, antes, uma solidariedade impoluta, uma vez que não
procura as modelares praxes de massificação. Pese embora toda a desconfiança
que alguns escribas e oradores de ocasião arvoram sobre o que, na verdade não
conhecem, este programa perdurará como perduram todos os produtos verdadeiros,
ao contrário do que é sugerido, com alguma sagacidade, pelos valores do
escasso, do ilusório, do oco e do pedante como pendências essenciais, temas
recorrentes da jactância com que nos vêm habituando as “verdades
televisionadas”. Este é um programa que não quer morder os calcanhares à
alegria só porque isso é popular. A alegria não é exuberante e, na maior parte
das vezes, anda escondida, mas irrompe sem vergonhas no final. Não estamos
perante um produto do cinismo e por isso, creio, é que não se deve
“criminalizar” o triunfo daqueles que embarcaram nesta tarefa.”
António
Semelhe - formador
Viana do Castelo, 16 de
Novembro de 2011
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