O Natal de Ana Lúcia
Ana Lúcia era uma menina alegre e sorridente que vivia por entre um mundo de melancolias do dia-a-dia escolar e da rotina familiar. Filha única de um médico neurocirurgião e de uma docente universitária, um casal de abastados rendimentos, estes quiseram que a sua educanda frequentasse o mesmo colégio onde, há três décadas atrás, também estudaram, em Coimbra, pois dali eram naturais.
Nas férias, sempre que possível, deslocava-se até ao Minho, mais propriamente a Azões, uma das aldeias do Vale do Neiva, no concelho de Vila Verde, local onde os pais possuíam uma pequena quinta explorada por um casal de feitores. Seus avós paternos nasceram nesta aldeia, embora tivessem vivido praticamente toda a vida em Coimbra a administrar uma loja comercial que possuíam.
Durante as férias, Ana Lúcia procurava informar-se do modo de vida do quotidiano local, das dificuldades, das festividades, de tudo o referente às terras da Ribeira Neiva. Atenta, ouvia da boca dos feitores falar do Natal e das tradições, ainda em uso por aquelas bandas. O interesse e a curiosidade aumentavam vertiginosamente, tal o detalhe com que eram relatadas, mas o seu coração entristecia-se, num frémito de mágoa, por nunca haver experimentado, nem saboreado esse “mel de alegria”, enquanto era informada das carências por que uma ou outra família passava. Deslumbrada e entusiasmada com o que acabava de ser descrito, questionava-se como passar o Natal na aldeia onde nasceram seus avoengos, partilhando-o com uma dessas famílias agora identificadas. Como?
Porém, seria impossível alimentar tal sonho devido aos muitos afazeres dos seus pais, permanentemente ocupados com as responsabilidades que assumiram nas suas profissões, cada vez mais exigentes, as quais não deixavam tempo para si próprios nem, consequentemente, para a filha.
O grau cultural elitista a que pertenciam impelia-os a ter na filha uma infinidade tal de exigências que anelavam fazer dela um perfeito modelo de virtudes para a apresentarem aos amigos. Enfim, orgulhavam-se dela! Ana Lúcia crescia em beleza e inteligência e, nos seus quinze anos, compreendendo cada vez mais as atitudes dos pais, procurava nunca os frustrar. Mas…recorreu a uma estratégia.
Depois daquelas férias, e logo que se deu início ao novo ano lectivo, certa noite, à hora de jantar, Ana Lúcia propôs a seus pais, em troca da melhoria de notas, ou seja, de aumentar a média de dezoito para dezanove, já no primeiro período, irem passar o Natal na aldeia de Azões. Renitentes e desconfiados da proposta, a ambição modelar que nos seus subconscientes esperavam ver corporizada na filha levou-os, num acto de flexibilidade, a aceitarem o desafio!
Os dias passavam, mas nada de falar em agenda para uma deslocação ao Vale do Neiva. Nada!…
Terminado o tempo escolar correspondente, Ana Lúcia recebe as notas três dias antes do Natal. Humildemente, com a voz retraída, dirige-se aos pais nestes termos: “Aqui têm o bilhete para uma viagem até ao Minho!” Ao mesmo tempo, mostrou a seus pais a declaração probatória com as respectivas notas. Tudo Vinte!
Um misto de surpresa e orgulho deixou-os quedos e mudos por uns instantes, mas rendidos pela evidência factual, deixaram sair das bocas: “Oh, oh, parabéns, filha… Tu és o nosso orgulho!.. Programa então a festa de Natal como é do teu agrado.”
O dia vinte e quatro de Dezembro chegou. Logo que almoçaram, carregaram o seu enorme Jipe com os mais diversos alimentos e muitas prendas, tudo o que constava da lista descritiva elaborada por Ana Lúcia, para rumarem ao Minho. Os pais, deveras cépticos com o denodo da filha, corresponderam aos seus desejos. Mais incrédulos ficaram quando chegaram à pequena aldeia de Azões e, já na sua quinta, foram “literalmente proibidos” de descarregarem o que trouxeram. Foram convidados a dar um passeio pela quinta, conversarem um pouco com os vizinhos e desejarem-se mutuamente um feliz Natal. O tempo voava e já estava a anoitecer… Ana Lúcia convida então os pais a deslocarem-se até quase ao alto do monte. Encontrava-se lá uma família composta de um casal, não muito jovem, pois casaram quando eram quarentões, mas ainda a tempo de gerarem três filhotes, com doze, dez e nove anos, duas meninas e um rapaz, respectivamente. Eram muito humildes e passavam pelo infortúnio do desemprego.
Bateram à portinha! Depois de uma breve conversa explicativa, este casal abriu-lhes as portas oferecendo, aos agora “convidados,” daquilo que tinham para a sua consoada, fazendo jus à máxima “antes de comer chega para todos”.
Enquanto o marido preparava a mesa com mais três lugares, para todos se sentarem, a esposa reforçou a quantidade de alimentos, supostamente destinados para o dia seguinte. Entretanto as crianças foram ajudar a descarregar os embrulhos vindos no jipe. Alguns foram logo desembrulhados pois continham alimentos para consumo imediato. Eram guloseimas nunca antes ao alcance daquelas crianças. Na velha cozinha, o calor expelido pela fogueira, o aroma irradiado pelas pinhas e o cheiro característico do bacalhau cozido transformaram-na em harmonioso ambiente acolhedor próprio das festas natalícias do Minho. Mesmo antes de comer, já um brilhozinho cintilava nos olhos de cada criatura. Era a felicidade partilhada… Era Natal!
Todos degustaram o tradicional prato minhoto: batatas, couves e bacalhau, tudo regado com azeite novo. Depois serviram-se alguns dos doces próprios destas festividades, que tinham sido confeccionados com o esmero da esposa, num esforço de requinte para recompensar os filhos da impossibilidade de os agraciar com prendas, como era costume por esta ocasião. O marido colocou sobre a mesa aquele vinho novo colhido da latada de uma leira herdada. Às crianças foram-lhes servidos sumos trazidos pelos forasteiros. Uma variedade de outros alimentos, só usuais nas refeições dos ricos, foi colocada sobre a mesa. Um sonho para as crianças! … Uma bênção para os pais!…
Finda a refeição, todos se deliciaram a ouvir daquelas histórias que só os mais velhos sabem contar, e nem a abundância e variedade de brinquedos, agora ofertados para as crianças, fez demover a atenção destas. A paciência é parte integrante da educação recebida. À meia-noite em ponto o som estridente de uma girândola de foguetes, produção de uma empresa local, deu as boas vindas ao dia de Natal.
Os pais de Ana Lúcia ofereceram ainda a quantia equivalente ao que gastariam neste ciclo de festividades, em viagens, hotéis, estadias, e outras despesas, como agradecimento pelo acolhimento recebido e gratidão ao modo peculiar sugerido pela filha.
Este fora o Natal nunca antes vivido por ambas as famílias até então. Ana Lúcia sentia-se o ser humano mais feliz em todo o planeta por provocar aquela atitude solidária de seus pais que, doravante, passaram a ter em cada Natal uma família diferente para visitar. Todos emocionados beijaram Ana Lúcia, agradecendo a esta adolescente a ideia tão nobre, agora posta em prática através da comemoração personificada no nascimento do Menino Jesus.
Queiram os humanos… mesmo sem renas, sem Pai Natal, com ou sem patrocínio da Coca-Cola, mas com um coração solidário e atento, como o de Ana Lúcia, e haverá sempre Natal em qualquer parte do mundo para todos…e todos os dias!
Ligeirinho
17 comentários:
parabens ao vencedor deste conto
Um conto fantástico. Parabens ao autor.
danielamericoParabens
Obrigada pelos vossos comentários de incentivo ao trabalho desenvolvido pelos formandos deste Centro Novas Oportunidades. Esperamos contar também com a Vossa participação em iniciativas similares.
o autor tem muita imaginação para contar histórias.Parabens pelo concurso.
parabens por o seu conto esta muito bonito e interessante.
Gostei muito devem continuar.
Aprender realmente compensa.
Gostei muto deste conto de Ana Lúcia assisti aqui na escola parabéns continuem estão no bom caminho.
A estoria de ana Lucia,gostei da história que li pois era bastante bonito.
Parabens ao vecedor deste conto
Parabens ao vencedor deste conto
O natal é um dia de muita alegria a onde se recorda o nascimento de Jesus mas também se juntam as famílias.
Parabens ao vencedor deste conto
Parabens ao autor que contou o conto.
Parabens gostei muito,tem muita imaginação para contar histórias.
Parabens gostei muito,tem muita imaginação para contar histórias.
Gostei muito deste conto parabems.
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