Um artigo do Dr. Eduardo Sá, publicado na Revista «PAIS E FILHOS»...
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TUDO É ETERNO
«A
escola é uma sala de estar. Tem de aconchegar! Um
professor de verdade educa antes de ensinar e é por isso que muitos
professores são, muitas vezes tios, mesmo não devendo, são um bocadinho pais.
1. Na verdade, nada é tão linear como parece. Nem as
crianças
são pequenas, nem os seus pais crescidos, como aparentam. Elas nem
sempre crescem. E eles voltam, por dentro, muitas vezes, para trás. Com o
tempo há quem se torne
jovem. E quem, entre as oportunidades que
tem para crescer, vacile e envelheça. Com o tempo, há quem se torne
ingénuo e sábio, arrebatado, amável, terno ou buliçoso. E quem azede,
adoçando a ira de euforia. Com o tempo há quem - de cada vez que muda
queira começar do zero (como quem deixa de si quase tudo para trás). E
há quem recrie tudo o que sabe, nunca partindo sem que leve aquilo que
os outros teimam em deixar. Para quem envelhece nada é eterno. Para quem
se recria tudo é para sempre. Quem envelhece morre todos os dias, um
pouco mais. Quem se recria torna-se jovem, sempre que aprende.
2. Na verdade, nada é tão linear como parece. E é por isso
que eu imagino que, um dia, a escola deixe as linhas direitas e se
desarrume um bocadinho. E mais pareça uma praça muito grande, onde, a
par de todas as matérias que as crianças tenham de aprender, haja um
senhor, com bigodes retorcidos e rosetas afogueadas, tomando conta do
sorriso, que as torne brincadoras. E lhes explique - devagarinho, se for
preciso – que brincar é aprender. As crianças deviam ter recreios de
compensação até que aprendessem a brincar. E ninguém as devia largar
enquanto não abafassem berlindes, jogassem ao lenço ou à macaca, porque
primeiro liga-se o corpo e aquilo que se sente e, só depois, o que se
sabe com tudo o que se aprende. É por isso, certamente, que, ao
contrário dos sabichões, os sábios nunca são enfadonhos. E um dia, para
além da história que vem nos compêndios que cheiram bem, a D. Perpétua,
que distribui graçolas com os jornais que vende, todos os dias, devia
ensinar às crianças que, tão importante como a conjugação dos verbos e a
gramática, a aritmética ou a matemática, é bom chorar no cinema, quando
tem de ser. E só se aprende uma história, seja a de um rei ou a de um
peixe com memória de grilo, por exemplo quando ela entra por nós sem
nenhum «se faz favor!?...» e fi ca, em parte incerta, cavaqueando
baixinho. E que o senhor do talho, que empurra o mundo com o avental,
avalie com todo o rigor se cada criança é capaz de rir até às lágrimas,
antes de ousar pegar no lápis e escrever aquilo que se acotovela na
imaginação. Na verdade, o riso é amigo do espanto. E quem não se espanta
nunca aprende que um problema é sempre muito mais importante do que
qualquer solução. Ah! E se houver um Doutor Valeroso, de óculos
descaídos, que não ensine o português antes de as crianças aprenderem a
ir ao último capítulo, logo depois de passarem pela casa da partida,
será demais. Como é bom atropelar a imaginação sempre que se adivinha!
Sem nunca, mesmo nunca, confundir sonho e devaneio!
A escola é uma sala de estar. Tem de aconchegar! E precisa de
explicar, ao mesmo tempo, que compreender não é condescender. E que um
professor de verdade educa antes de ensinar e é por isso que muitos
professores são, muitas vezes, tios e, mesmo não devendo, são um
bocadinho pais. A escola devia ser, também, um banco de jardim. E devia
pôr, no lugar da unicidade, a pluralidade: diversos professores, muitos
amigos, os pais num entra e sai, mais a D. Perpétua, o senhor das
rosetas e o homem do talho que educam melhor, e põem mais longe no
olhar. A escola devia ter um cantinho, para cada um. E um diretor de
turma devia dar poucas aulas. Muito poucas. E devia telefonar, a
perguntar pela constipação da Constança e devia fechar a escola, sempre
que uma criança se zangasse com ela e a abandonasse. E sempre que uma
criança reprovasse duas vezes, devia considerá-la em perigo. Não tanto a
criança, mas a escola e a família (que parecem distraídas, uma com a
outra, e não a conhecem).
3. A escola é uma praça, uma sala de estar e um banco de
jardim. E, com o tempo, devia tornar ingénuos e sábios, arrebatados,
amáveis, ternos ou buliçosos todos aqueles que vacilam e envelhecem.
Para quem envelhece nada é eterno. Para quem aprende tudo é para sempre.
A escola devia ter um cantinho, para cada um. O diretor de turma
devia fechar a escola, sempre que uma criança se zangasse com ela e a
abandonasse.»